O país quer ser desenvolvido e não se satisfaz em ser
comparado apenas a seus vizinhos; sua referência são os membros da OCDE
Uma
estranha sensação de surpresa e confusão atinge o mundo da política educacional
na América Latina. O Chile, país que por muitos anos vimos como o paladino do
progresso educativo está hoje imerso em um debate profundo sobre o futuro de
seu sistema educacional. A intensidade do debate no faz questionar se estivemos
enganados em nossa admiração e se não estamos, subitamente, acordando para uma
realidade muito mais negativa.
Manifestações começaram contra aumento da passagem de metrô e continuaram mesmo depois que o presidente Sebástian Piñera voltou atrás. 2019. |
felizmente,
não se trata de tal pesadelo. O sistema educativo chileno obteve conquistas
muito importantes, muito maiores que as do resto de nosso continente. Por
exemplo, hoje a maioria das crianças chilenas pode ter certeza de que vai
concluir pelo menos 12 anos de educação, muito mais do que a média do restante
da região. Na prova PISA 2012 da OCDE, os estudantes chilenos se destacaram
entre os demais latino-americanos, conseguindo pontuações mais altas do que as
de seus colegas dos outros sete países que participaram. Além disso, os
resultados do Chile na PISA vêm melhorando desde 2000, principalmente até 2009.
“No Chile há escolas frequentadas apenas por
ricos e outras frequentadas apenas por pobres”
Mas o
Chile quer ser um país desenvolvido e não se satisfaz em ser comparado apenas
com seus vizinhos. Sua referência são os países mais desenvolvidos, membros da
OCDE, da qual também faz parte. E nesse grupo, o sistema educacional chileno
deixa muito a desejar. De fato, dos 65 países que participaram da avaliação
PISA 2012, o Chile ficou em 51º lugar. Além disso, anos de um sistema de mercado
educativo, onde os subsídios estatais são destinados igualmente a provedores
particulares e públicos levaram a uma enorme segregação do ponto de vista
socioeconômico. Hoje, no Chile, há escolas (públicas e particulares)
frequentadas por ricos e outras frequentadas por pobres. Poucas escolas
(públicas e particulares) reúnem alunos de famílias ricas e pobres.
Essa
mistura de resultados muito superiores aos de seus vizinhos, mas muito
inferiores aos países com os quais o Chile aspira se parecer, fica evidente nas
fortes demandas de todos os setores sociais por melhoras substantivas na
qualidade e na igualdade de oportunidades educativas. Os chilenos sabem que a
educação é uma ferramenta poderosa para o progresso individual e coletivo.
E à medida
que atingem níveis mais altos na educação, mais insatisfeitos estão com as
diferenças entre ricos e pobres, e entre chilenos e pessoas de países que
conseguiram níveis de desenvolvimento que permitem que todos os seus cidadãos
vivam vidas dignas e produtivas.
Neste
momento de fortes demandas por mudança, é importante manter a cabeça fria e
revisar a evidência internacional acerca de quais políticas mostraram
resultados positivos sobre a qualidade e equidade da educação.
“A profissão de docente foi progressivamente se
tornando menos atraente aos mais talentosos”
Em
primeiro lugar, recordemos a importância de manter metas ambiciosas de
aprendizagem como norte para todos e todas, e utilizá-las para definir o
currículo e os materiais de ensino, assim como também os sistemas de avaliação
– não somente para usá-los na prestação de contas, mas, especialmente, para
apoiar todos os atores do sistema a buscar formas de melhoramento contínuo que
consigam melhores resultados de aprendizagem estudantil. Isso requer um sistema
de gestão da educação muito diferente do que até agora prevaleceu no Chile,
onde quem pode gerir melhor o faz e os demais são deixados para trás.
Uma
segunda lição da experiência internacional é a importância de assegurar que
todas as crianças entrem no sistema escolar prontos para aprender. Isso requer
expandir e fortalecer os serviços de desenvolvimento infantil inicial, desde o
jardim da infância, programa de nutrição e estimulação prematura, até os
pré-escolares de alta qualidade para todos os meninos e meninas. Mesmo com o
Chile tendo avançado nessa direção, ainda falta muito o que fazer.
Em
terceiro lugar, recordemos que os docentes são a chave do processo educativo.
No Chile, como no resto da região, a profissão docente foi progressivamente
sendo menos e menos atrativa para os mais talentosos. Simultaneamente, o mundo
foi mudando a passos acelerados, e as escolas foram muito lentas em inovar e se
adaptar às formas sobre como as crianças interagem e aprendem hoje. Apoiar os
mestres e professores que temos, e atrair os mais talentosos para o sistema
educativo, é o grande desafio para o Chile, assim como para o resto da região.
Isso requererá condições de trabalho atrativas, mas sobretudo de oportunidades
de crescimento profissional que impliquem a satisfação de ter impacto no mais
importante: as vidas das crianças e dos jovens.
Em quarto
lugar, não existe sistema educativo excelente que não conte com os
investimentos necessários para garantir ambientes educativos atrativos para que
os melhores profissionais entrem e permaneçam na docência e as crianças e
jovens queiram ir diariamente para a escola. Assim como a tecnologia mudou a
experiência diária das crianças e jovens em todo o mundo, também no Chile
pode-se aproveitar melhor para fomentar as aptidões relevantes para o século
XXI.
Por
último, para que se materializar o potencial da educação como ferramenta de
desenvolvimento individual e coletivo, é necessária uma maior aproximação do
sistema educativo do mundo produtivo, e assim garantir que o que se aprende no
sistema escolar é valorizado pelo mundo de trabalho. Muito chilenos que são da
primeira geração formada no secundário e pós-secundário estão descobrindo que
suas oportunidades no mundo de trabalho não são as que imaginavam. Somente
quando a educação implica melhores oportunidades de trabalho – maiores
probabilidades de emprego, melhores salários e condições de trabalho – também
resulta em uma maior produtividade, inovação e igualdade socioeconômica para
todo um país.
Nessas, e
em outras áreas, sabemos que existem desafios que demandaram mudanças e
inovação. Nós que admiramos os esforços do Chile em melhorar seu sistema
educativo nas últimas duas décadas estaremos observando de perto essa nova
etapa de mudança e transformação.
Ariel Fiszbein é Diretor do
Programa de Educação no Inter-American Dialogue e Emiliana Vegas é Chefa da
Divisão de Educação do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento.
In: Portal El
País < https://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/18/opinion/1408396366_513219.html>
20/11/2019. Às 10:38h
Foto:https://www.poder360.com.br/internacional/veja-fotos-da-maior-manifestacao-de-rua-da-historia-do-chile/
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