Crianças ficam alertas logo cedo, jovens têm dificuldade de acordar. Por que não adaptar as aulas levando em conta esses ritmos biológicos?
Por Beatriz Santomauro
1 de Agosto de 2014
A cada idade, um sono.
"A
organização da escola favorece a privação do sono e o excesso de sonolência em
sala de aula e costuma-se lidar com as repercussões disso de maneira punitiva,
sem buscar compreender ou mudar algo", diz o neurocientista Fernando Louzada, professor do
Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os
horários usuais estão relacionados aos hábitos das famílias e às regras das
instituições, mas desrespeitam os ritmos biológicos. O pesquisador explica que
há uma estreita relação entre o desempenho cognitivo e o ciclo de vigília e
sono de cada ser humano e que isso, portanto, deveria receber uma análise mais
cuidadosa dos educadores. "Essa mudança não tem custo, tem impacto
imediato e permite algo básico: que os estudantes durmam quanto necessitam",
diz. Ele sugere, por exemplo, que as aulas iniciem às 8 horas e que as escolas
tenham maior flexibilidade para respeitar as especificidades de cada pessoa.
"Que tal fixar uma carga horária comum entre 9 e 12 horas, mas oferecer
aulas que começam mais cedo e outras que vão até mais tarde? Acredito que seja
apenas uma questão de estabelecer prioridades e organizar os espaços e os
funcionários", completa.
(foto) A soneca da tarde na Educação
Infantil
No Centro Educacional Brandão, os alunos de até 6 anos têm a possibilidade de tirar uma soneca.
Foto: Kriz Knack
Respeito ao relógio No
Centro Educacional Brandão, os alunos de até 6 anos têm a possibilidade de
tirar uma soneca
Os hábitos mudam de
acordo com a idade. O bebê dorme durante poucas horas seguidas e também durante
o dia e, conforme cresce, vai concentrando o descanso à noite. Apesar disso,
por volta dos 6 anos, muitas crianças ainda têm necessidade de uma soneca à
tarde. Mas nem todas as escolas criam condições para isso.
Era assim também no
Centro Educacional Brandão, na capital paulista, onde as crianças de 4 a 6 anos
ficavam o período integral sem dormir. O sono era previsto apenas para aquelas
até 3 anos. Enquanto educadores e alguns pais notavam que elas ficavam cansadas
e que seria melhor se descansassem depois do almoço, outros responsáveis diziam
que isso prejudicaria o repouso dos pequenos à noite e que os filhos estavam
ali para estudar. "A discussão era sempre a mesma, não conseguíamos
avançar. Então, fomos procurar ajuda fora da instituição, para ter outras
referências e saber responder melhor os argumentos que apareciam", lembra
Marta Brandão, diretora da instituição.
Conversando com os
estudiosos sobre ritmos biológicos Luiz Menna-Barreto, da Universidade de São
Paulo (USP), e Louzada, que juntos escreveram o livro O Sono na Sala de Aula -
Tempo Escolar e Tempo Biológico (144 págs., Ed. Vieira & Lent, tel.
21/2262-8314, 23 reais), Marta compreendeu que as crianças da Educação Infantil
e do 1º ano ainda estão num processo de amadurecimento dos horários de sono e
que a maior parte delas necessitaria do descanso. Resolveram fazer uma parceria
durante um ano e analisar como os pequenos se portavam em dias com e sem
cochilo.
Nos primeiros seis
meses, os educadores e os pesquisadores observaram as turmas com a programação
habitual. "Elegemos itens importantes do ponto de vista pedagógico, como
atenção, concentração e persistência para as atividades, e definimos momentos
em que esses pontos seriam avaliados", conta Marta. As famílias também foram
envolvidas, acompanharam os momentos de pico de sono nos finais de semana e
fizeram diários indicando a hora em que os filhos iam para a cama e acordavam.
Nos seis meses seguintes, a rotina foi organizada para incluir uma hora de
descanso depois do almoço para as turmas de 4 a 6 anos. Aqueles que quisessem,
poderiam dormir em colchões dispostos no chão da sala de aula e os demais
fariam atividades tranquilas, como a leitura em almofadas. "Percebemos uma
grande melhora na disposição à tarde e o trabalho passou a render mais.
Aprendemos que para garantir o repouso o ambiente não precisa de grandes
transformações. Não é necessário deixar as salas absolutamente escuras nem
silenciosas, basta manter o local calmo e com luz baixa", explica Marta.
Os pais também ficaram satisfeitos e contaram que no fim do dia, no caminho
para casa, as crianças não cochilavam como antes e conversavam. À noite,
dormiam da mesma maneira.
Finalizada a pesquisa, a
mudança foi incorporada e a diretora notou que as informações levantadas no
estudo se confirmaram: quanto mais velhas as crianças, menor é a necessidade de
sono. Enquanto quase todas as de 4 anos dormem, isso diminui quando fazem 5
anos, e, nas turmas de 6 anos, a maioria fica acordada.
A preguiça matinal dos adolescentes
"Uma
das mudanças que veem com a puberdade diz respeito aos horários, é o atraso de
fase. Os adolescentes dormem tarde e também acordam mais tarde do que antes.
Para alguns, é muito mais difícil ir para a cama às 22 horas, por exemplo", explica Rafael Louzada. Rosangela
Macedo Moura notou isso quando assumiu a direção da EE Francisco Brasiliense
Fusco, na capital paulista. Às 7 horas, quando as aulas começavam, apenas
metade dos alunos do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio estava nas classes. Entre 8
e 9 horas, os que chegavam atrasados se aglomeravam no portão e ingressavam
para a segunda e a terceira aulas. "Era um absurdo, todos deveriam estar
presentes no início das atividades! Resolvi proibir a entrada fora de
hora", conta. O número de faltas passou a aumentar, dia após dia, e ela
viu que precisava pensar em outra solução. Sabendo que a justificativa era que
os estudantes não conseguiam acordar cedo, propôs uma troca de turno: as turmas
de 1º ao 5º anos passariam a estudar de manhã e os maiores, à tarde e à noite. "Alguns
comemoraram, outros reclamaram, dizendo que a organização da escola sempre
tinha sido aquela, que bastaria a turma deixar de preguiça. Então, eu propus
uma votação para os pais. Fiz forte campanha pensando naquilo que acreditava
ser melhor para meus estudantes. Sabia que mudaria a rotina de professores e
funcionários, mas achei que seria mais adequado para o conjunto", conta. Por quatro votos de
diferença, a alteração de turnos ganhou.
No ano seguinte, os
pequenos do 1º ao 5º anos já começaram cedinho e no pique total e os maiores,
então, conseguiram chegar na hora e ter mais atenção para realizar as
atividades. Agora, existe a possibilidade de o ensino integral ser instituído
para o Ensino Médio. Nesse caso, a diretora já tem uma ideia: "As aulas
podem funcionar das 12 às 19 horas ou algo próximo a isso, por que não?".
Confirmando o que
Rosangela notou, Márcia Finimundi Nóbile analisou o desempenho de estudantes de
cinco instituições públicas (cerca de 900 alunos) dos ensinos Fundamental e Médio
de Farroupilha, cidade a 111 quilômetros de Porto Alegre, e escreveu os
resultados na tese de doutorado defendida em 2012 na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS). No início, ela classificou cada criança e
adolescente como matutino e vespertino, conforme o período em que tinha melhor
desempenho. Observou que havia mais matutinos entre os mais próximos dos 11
anos e que quanto mais próximo dos 17 anos, melhor a atuação à tarde. "Com 11 e
12 anos, os matutinos que estudavam pela manhã apresentaram desempenho superior
aos matutinos que estudavam à tarde. Aos 16 anos, esse predomínio se inverteu.
Conclusão: os mais jovens tendem a ser mais matutinos", diz.
Como o sono é uma das
variáveis que podem interferir no processo de ensino e aprendizagem, cabe à
escola repensar de que maneira pode distribuir as atividades e se ajustar às
necessidades dos estudantes. Porém, por ter um impacto assim grande na vida de alunos,
professores, funcionários e famílias, mudanças como essas não podem ser feitas
de uma hora para outra. "Antes de qualquer alteração, é essencial discutir
com a comunidade, mostrar as razões e conscientizar todos", diz Louzada.
Portal
Gestão Escolar< https://gestaoescolar.org.br/conteudo/109/a-cada-idade-um-sono
> Acessado em 26/08/2019. As 12:12Hs.
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